terça-feira, 8 de maio de 2007

Imagens, linguagem verbal e conhecimento do mundo 2

Projecção metafórica
Compreensão de uma realidade com categorias de outra


Quando, num discurso, uma certa realidade não pode ser imediata ou suficientemente apreensível a um sujeito através da linguagem verbal esta pode recorrer ao que Meunier descreve como projecção metafórica.
Trata-se de compreender essa realidade com categorias de outra. Neste caso procuram-se no mundo visual categorias e esquemas conceptuais que suportem a descrição pretendida de uma experiência mais abstracta. O autor dá alguns exemplos da linguagem comum que ilustram essa operação. Citarei este: isto levantou-me o moral aqui a realidade abstracta que se pretende transmitir é a de bem-estar, ora a metáfora é a da comparação desse estado de espírito com uma categoria visual o alto. O autor, de acordo com Lakoff e Johnson, classifica esta metáfora como metáfora de orientação dado que corresponde a uma experiência sensível que temos do mundo. O autor faz depois referência a outras classes de metáforas, (ontológicas estruturais)

Questões suscitadas por este tema:
Não estará a projecção metafórica ligada à pré-existência do visual sobre o conceptual? Não é isso que comprovam as experiências de Konrad Lorenz com os patos recém-nascidos que o seguiam como se fosse a sua progenitora?
Essa prioridade não se terá inscrito no nosso código genético durante a filogénese?

Imagens, linguagem verbal e conhecimento do mundo 1

Assimilação/Comparação
O que pré-existe determina o modo de integração de qualquer nova percepção


O modo como as imagens invadem a linguagem verbal é revelador do papel que desempenham na nossa actividade de apreensão do mundo, isto é de conhecer. A partir de Piaget e Langacker, Meunier diz-nos que conhecemos por assimilação ou comparação. Qualquer nova percepção é integrada na nossa consciência pelo efeito do estímulo que lhe dá origem e pelo cotejo que dela fazemos com as estruturas cognitivas pré-existentes. Dito de outro modo, o que pré-existe (todas as nossas experiências conceptualizadas) condicionam o modo como integramos o que existe (tudo o que num dado momento se oferece à nossa percepção). Mas, segundo Meunier, esse condicionamento realiza-se pela actividade de comparação entre essas estruturas (as novas face às antigas) e é assim que assimilamos o novo, o desconhecido, integrando-o como pudermos no já conhecido.

A natureza das representações mentais

Numa primeira impressão poderia sintetizar em três, os objectivos de J-P Meunier neste texto:
Definir a natureza das representações mentais.
Esclarecer o papel das imagens na construção das representações mentais.
Situar a experiência visual no conjunto das actividades cognitivas.
O autor refuta a dicotomia tradicional entre representações proposicionais e representações visuais. Nesta concepção, as primeiras distinguir-se-iam das segundas pelo seu carácter eminentemente verbal.
Apoiado em trabalhos de Jean Piaget (psicologia do desenvolvimento) de Johnson-Laird (teoria dos modelos cognitivos) e R. Langacker (semântica cognitiva) Meunier estabelece “a existência de uma componente imagética” no “significado do signo verbal”. Mais adiante refere que “uma enunciação verbal é a comunicação de um modelo mental de carácter icónico” e a língua não seria senão o conjunto de instrumentos ao serviço de uma analogia. Isto é, a língua não seria senão a analogia verbal de um mundo visual.
Deste modo, Meunier reabilita o papel da imagem na tarefa de conhecer e fornece pistas para a resposta aos objectivos referidos inicialmente.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

O signo icónico e o Grupo μ

O Grupo μ define signo icónico como uma entidade mediadora com uma dupla função de referência. Referência, por um lado, à relação entre signo e referente e, por outro, à relação entre o signo e o seu produtor. Isto significa, por outras palavras, que o signo icónico apresenta não apenas características homólogas às do seu referente, como regista igualmente características que lhe são imputadas pelo produtor do signo. Para estes autores uma definição de signo icónico deverá, antes de mais, confirmar a sua condição de entidade distinta do objecto, isto é, a sua alteridade e, em segundo lugar, revelar a sua estrutura e modo de funcionamento. Assim, distinguem no signo icónico três elementos estruturais: o significante, o tipo e o referente estabelecendo-se entre eles determinadas relações. Deste modo, tal como em Pierce, reconhecem no signo uma estrutura triádica, contudo a sua definição questiona alguns aspectos da abordagem de Pierce.

Se em Pierce a iconicidade de um signo provém de uma relação de semelhança com o objecto, para o Grupo μ este fundamento, por si só, é insuficiente dado que aquilo que o suporta é uma concepção empírica do objecto como coisa real que se impõe à nossa percepção independentemente, da nossa razão. Estes autores defendem que o referente/objecto é algo que é sempre culturalizado e portanto não existe em si como se pode inferir pelas teses de Pierce. Uma definição de signo icónico deverá obrigatoriamente ter em conta este facto


Estrutura e funcionamento do signo icónico














Para os autores do Grupo μ o signo icónico apresenta uma estrutura em que entre cada par dos seus três elementos constitutivos se estabelece um conjunto de relações bilaterais

Significante
É um conjunto modelizado de estímulos visuais. É uma ocorrência singular do tipo. Os traços do significante permitem associá-lo ao tipo. Como ocorrência singular possui certas características físicas e espaciais. Mantém com o referente um conjunto de relações, as relações de transformação. Estas ocorrem sempre que se percepciona ou se emite um signo.

Tipo
É uma categoria, uma representação mental cujas características são conceptuais, trata-se pois de uma abstracção. É um modelo interiorizado e estabilizado que garante a equivalência entre duas singularidades: a do referente e a do significante.

Referente
É um objecto singular pertencente a uma classe de objectos. É, tal como o significante e ao contrário do tipo, um elemento com características físicas e espaciais. Esta característica comum entre referente e significante é designada pelos autores como comensurabilidade. A propriedade de ambos serem mensuráveis possibilita que se produzam entre eles determinado tipo de relações, as relações de transformação, que podem ser relações geométricas, analíticas e ópticas, as quais fundamentam um determinado grau de conformidade mútua.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007


Nem todas as imagens são ícones

















































Mas todos os ícones são (também) imagens

Em Português o campo semântico de imagem parece ser mais vasto do que o de ícone. É o que parecem sugerir as imagens retiradas de um documentário recentemente apresentado na RTP2. Assim, o campo semântico do conceito "imagem" inclui o de "ícone" mas não se lhe reduz. Neste, a imagem tem a propriedade de evocar realidades que lhe são estranhas, isto é que não são perceptíveis simplesmente apenas pelo contacto com a sua natureza sensível. Nem todas as imagens possuem este poder evocativo ou esta "densidade".





As Limitações da Mimesis





















O que julgo fundamentar a opinião de Baudrillard é o facto de que, na questão iconoclasta dos primórdios do Cristianismo, ter havido a consciência do valor autónomo das imagens face ao seu referente. A vida própria das imagens, implicitamente reconhecida neste cisma, é o melhor desmentido a um conceito que reduz o seu valor às suas potencialidades miméticas. O poder das imagens não assenta, na sua capacidade de imitar o real concreto e sensível, mas na sua aptidão para evocar a representação mental que dele fazemos. Era o receio de que as imagens tomassem o lugar do Deus único para se constituírem, elas próprias, em entidades de culto, à semelhança dos cultos pagãos tão duramente combatidos nos séculos anteriores, que levou a esta desconfiança. Ao negarem-nas os iconoclastas reconheciam o seu perigo e implicitamente o seu valor.
O texto refere “(…) as limitações da mimesis também estão patentes na variabilidade (diacrónica e sincrónica) com que as mesmas imagens são interpretadas.” Simetricamente poder-se-ia igualmente afirmar que essas limitações também se revelam quando imagens muito diferentes, produzidas com mil anos de diferença, desfrutam de um reconhecimento idêntico. É o que acontece com as representações de Cristo no Ocidente cuja codificação se alongou por alguns séculos. O seu poder evocativo manteve-se apesar das diferenças que manifestam.




Amplificação e redundância


















Numa recente série televisiva “As Origens da Arte” um investigador, oriundo da área das ciências biológicas e comportamentais, declarava que um dos impulsos constantes da actividade artística seria o do princípio da amplificação. Isto é, do exagero de certos aspectos que valorizamos no real. Ora parece ser isso mesmo que se verifica na imagem do rinoceronte.
O que chama a atenção nesta imagem é a profusão de pormenores que supostamente o caracterizariam. Este facto evidencia uma necessidade, na época, de uma descrição exaustiva. Tendo sido o seu objectivo ilustrativo, mostra que o público do séc. XVI desconhecia o referente (provavelmente uma imagem mais esquematizada não seria verdadeiramente apreendida). Hoje, com um conhecimento generalizado proporcionado pela fotografia, cinema, etc esta imagem surge como que “redundante”, além de que as suas inexactidões teriam um escrutínio imediato.